sexta-feira, 19 de março de 2010

Na margem de ti... A.P.


Na margem de ti, ao pé de ti fiz-me assim
estátua erguida em teus braços adormecida,
pousio que acalenta minha alma nua e despida
naquele inquieto sabor vago provado em mim.

Dissabores gastos nos nossos lábios prolongados
murmúrios de tão amados e vividos, já calados…
a sombra do nosso encontro pelo beijo unido em nós separado
a memória já lembrada de um tempo nunca passado

Deleite, prazer nunca tocado
êxtase, toque jamais recordado
a pena que em mim se levanta e em ti se planta
qual dor, fulgor que cobre nosso amor

O tempo em nós vive sem nascer
canta aos sonhos, sem a voz erguer
o remorso culpado de um dito por dizer
a paisagem já pintada de quem nunca aprendeu a ser

Existência explicada (A.P.)

Raras explicações em que se fundamentam a minha vida,
deixadas diferentes a um igual já passado
inúteis entradas em que se abre a minha saída
talvez depois… um qualquer já tentado

Triste e inerte na sua forma
por quem se diz verdade em que as toma
deixada só, em tudo um pouco sentida
pousada inerte na minha maré afogada

Remoinho volteado numa manobra apertada
sob os buracos, essa razão que cobre minha estrada
fulgor, respiração apressada em si calada
levado ao abrigo já vivido daquele sozinho

No novelo do sossego

Recôndito e calmo sossego
calado pelos dizeres, desfeito pelos fazeres
agitado pelo pousio de um silêncio já findo
acordado, ao nada do todo de meu mundo

Surdo, vazando por um silêncio ouvido
que se distinga de outros sons já passados
o frenético soluçar de um olhar mudo
pálida sepultura de uns lábios entre si beijados

Latente eco que roça as estradas da minha mente
desvendado o segredo silenciado no momento acordado
lúcidas e pousadas horas de um vago presente
remorsos sujos de um qualquer então acabado

Partiram as desventuras de um longínquo já deixado
nas mãos do nada acabados, hirtos de olhar pesado
deixadas ao precipício de um qualquer acaso
momento que finda o nada pronto a ser aceso

Defronte, olhando o pálido insistir inventado
usado, em si mesmo já acabado
debruçado sobre o raro vulgar de tentativas deixadas
de todas elas sonhos de vidas passadas

segunda-feira, 1 de março de 2010

A mancha do meu corpo



O meu corpo emprestado ao tempo
minha vaga alma, doce contrasenso
remotas etapas de deixas levadas ao vento
irreflectido jogo de uma certeza feita hipótese

Trausente núcleo de que se abastece o mal
apanágio escuro de um êxtase total
vidas arrancadas ao sabor da amargura
cuja noite alisa em sono o que não dura

Perdida, na inconstância perdida
rogo por me curar da maré deixada
sonoro ritual que comanda cada dia
em cada uma, precária forma de magia

De mil homens, se faz o mundo
mas nem de um se faz o meu
a margem já passada, o poço já fundo
vida em mim que outrora se perdeu

O refúgio que de mim se escondeu



Preclaro por mim… ali
quais formas e texturas
quais rascunhos mal apagados
em sim mesmo finitos, em mim mesmo acabados

Direcção diferente em que vagueando caminho
estranha, sempre diferente nunca igual
destino que passo mas não sublinho
sombra incompleta que me amparas neste desigual

Embaladado no promíscuo vento da sociedade
deixado no rasto etéreo da verdade
meu desejo omitido, minha cobardia revelada
frase triste em meu mar velada

Cantam-se as entranhas de alguém
a história de quem passou mas não viveu
descurado jeito tão só, tão abandonado
de alguém que se lembra do dia em que morreu
esquecendo as horas tardias em que nasceu

A gota



Pesada, a gota cai ao de leve
inerte em suas tristezas e venturas a correr
tal desgraça que em minha paisagem vive
e que na poça de mim deixei abater

Apressada e angustiada, lamúrios e ecos
chega então o momento de findar
desconhece os rios de beijos secos
que nos séculos dos meus lábios formara

A última lágrima ou então sempre a primeira
de alguém que chora por nunca conhecer a verdadeira
deus chora, o homem afoga-se com o tudo para fazer
flutua a tristeza, afoga-se o nada por dizer

O que já foi dito em vão mergulhado está
o que já foi escrito para sempre rasgado ficará
só resta o frio, o teu murmúrio molhado
o segredo afogado a meus pés prostrado

Húmido, escorrendo o nada escondido
acariciado, olhando o que para lá ficou
imagens de um ser a ser beijado
o que sabe quem sou, mas desconhece o que formou