sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Solidão de meu lar




Velhas são as conformidades em que o lar nos impera a viver
paredes desgastadas que nos limitam somente a ser
objectos tornados sensação, ilusão, razão
do nada feitos construção, mera e desgastada disposição

O tempo perde-se na memória dos espaços
quão cortejante é minha vida sob esta caminhada
o quarto, a sala, a cama deixada
de todos eles, a leitura dos meus traços.

Revolta sensação que me abarca nesta solidão
onde estou, o que sou, o que farei
gaiola, masmorra, aberta prisão
ao que ao vida dei, no que da vida deixei…

Preponderâncias de um olhar já visto
cego caminho, porque de cor sei que existo
já fui mera porta, rígida e abandonada
já fui mera janela, disponível, aberta, largada

O roçar, o tocar na evocação dos meus pensamentos
pó, brisa agreste que suporta meus móveis
delírio cansado de tão usado já trocado
memória sempre igual, de tão vasta já vulgar

O cheiro, esse perfume do meu pensamento
tribunal dos meus julgamentos, desgastes quentes do momento
colunas vergadas sobre mim suportadas
abandono silencioso de um todo ruidoso.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Underworld



O cheiro imundo da desgraça
pandemónios de uma farsa
caos crescente de pavor
resumo drástico de uma qualquer dor

Inspiração para uns
rios de memória para alguns
pensamento revolto, desgaste que envolto
falésia caída, alma levada

Silêncio feito confusão
inerte presença da destruição
cinzento, ruído agreste
negro, que em mim nasceste

Procuro por quem já não encontro
grito por quem já está silenciado
durmo sobre o teu corpo deitado
estrada pálida de sangue lavada

Narciso, a cor do pecado


Perdição, augúrio destino que me encontrou
qual Deus que sob mim se criou
arquitectura rígida de uma tal beleza
de todos os defeitos, o de mais abundante riqueza

Plátano fogoso que sob mim se envolve
trascendente fulgor que sobre ti chove
etéreo beijo que a Afrodite recusei
nuvem escura em que outrora me deitei

Sobre ti, criada a desgraça
semblante pálido da tua graça
qual atracção, qual amor por ti sentidas
qual desejo, qual sexualidade em ti omitidas

Orgulho, desprezo raivoso que inundou meus dias
natural pecado de se nascer nas noites frias
Qual Téspias, qual Beócia em mim juntas
presságio divino que com o pecado me pintas

Reflexo cintilante que as portas do olhar abriste
qual ego louco que em mim me viste
oxalá pudesse evitar meu pasmar
para jamais no lago me debruçar

Encontrei o amor sobre mim
sobre mim não encontrei o que quis, o que perdi
lago de cetim, pose de marfim
para sempre serei estátua de mim… ali

Transformado em flor, marca de horror
pecado funesto de uma alma fastidiosa
existência que me compadece de dor
para sempre serie exemplo de tal alma orgulhosa

Aquiles



De nariz aquilino
sob uma planície de cor e odor
qual néctar dos deuses, qual ritmo sem cor
transgredia o feio, ultrapassava o belo
engendrando suas formas sob o meu elo

Helénico nariz de tons magistrais
Deus entre os homens, um herói entre os tais
Qual Ulisses, Adónis ou Zeus
de todos eles o mais completo Deus

O queixo, almofada macia e pálida
adornava o mais sonhado dos orifícios
cuja graça expandida encantava
sonho, realidade, pecado que no Olimpo ofuscava

Os ombros, sepultura do mais fino marfim
suportavam a mais formosa das feras
O pescoço, tronco do paraíso mais vasto
instinto erótico que nos peitos se resguardava
cortinado de cetim, esferas róseas
peito alvo, rosas eróticas

Descendo, tentavam-se as planícies do desejo
ciprestes que aguardavam o verdadeiro beijo
num pequeno e doce lago
qual orifício, qual umbigo
a beleza de uma Afrodite, a perfeição de um Iago

Numa vasta e frondosa nascente
pêlos macios de um rico veludo
novelo de memórias num passado agreste
cetim, marzia, folha verde do meu tudo

Protegido sob o trevo do azar
quais desejos que no meu pensamento hão-de passar
quais evocações que meus pensamentos hão-de clamar
quais fluidos que sob a minha boca hão-de ficar

Verde e ofuscante, ocultava o fruto proibido
de todos o mais querido, dos pecados o mais apetecido
cabana que meu pensamento há-de povoar
oceano que minha consciência irá afogar

As pernas,
troncos que perfilhavam o aveludado helénico
colunas clássicas, obras eternas
coríntio, dórico ou jónico

A água que corria em seu corpo molhado
suor, fluído ou vinho rosado
cobria o seu destemido e místico calcanhar
escultura de mármore que tudo vale apreciar

Os pés, asas de águias ou condores
clássico helénico que eterniza passados
hirto calcário que em ti se toma
obra de arte que sob ti se forma

Quem o fizera nascer para a outros invejar?
Quem o fizera viver para outros matar?
Deus, Diabo, escultor ou pintor
de todos o mais perfeito senhor

Do Éden, o fruto a ser colhido
Da Babilónia, a rosa a ser roubada
De Roma, a arte de tudo, a eloquência de nada
Da Grécia, o desejo tentado, o Deus criado.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Marinheiro de meu mar



Deixado no tempo, esquecido
lembrado em tempos perdidos
no infortúnio vago esperado
de um destino vazio, acabado

Lembrado sob o toque fino de sal
melodias tristes, prelúdios de mal
a raiva sob as areias deitada
a fúria espumante nas marés deixada

As marés fazem-te emocionar
recordar pensamentos deixados, sentimentos levados
as gaivotas ilustram o teu voar
as gotas, pequenas marés sob o mar

Vento pálido em tuas faces lembrado
águas gélidas, em teus dedos marcada
nos lábios a cor do sal
nevoeiro frio, olhar vazio
marinheiro de uma vida tal

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Mórbido prazer de amar



Vagueio na incerteza da descoberta
no indizível provado, mais que tentado
nuvens de fumo de uma janela aberta
paredes de uma nada por dizer

Inquietação visível de um esboçado incerto
algo por provar, realidade, momento certo
instante de precisão, loucura, emoção
pensamento, desgaste que abarca meu coração

Mórbido prazer de amar
sensação estranha que me faz acreditar
remorsos de um nada confuso
sensação de um tudo enorme
somente vivido enquanto dorme…

Perdi a a minha vaga existência
um desprezo vago pelo vivido
Aprendi a contemplar-te
habituei-me a sofrer por amar-te

Acredito que a esperança não morre
que nas veias dos apaixonados corre
Sei que um dia te poderei ter
nem que seja para morrer a viver

Um dia talvez

Um amor impossível, possível de ser sonhado, impossível de ser vivido...

Hoje não sei de mim próprio,
da minha pessoa, do meu ser opróbrio
das angústias que me fazem feliz
das alegrias que me fazem triste

Das palpitações que me inquietam
das orientações que me perdem
desejos que me afogam
perdições que me salvam
que me libertam da memória de um tudo
infastidioso sonho de nada

Quem quer que um dia fosse
não sei se teria existido até agora
vivendo invisivelmente em nadas…

Um dia talvez
lembrar-me-ei de voltar a ser
Um dia talvez
esquecer-me-ei de pensar que existi
que vivi, amei, sonhei a viver

Um dia fixarei só aquele instante
desprezando todos os outros
que inutilmente ficaram por viver
Lembrar-me-ei talvez de conseguir voltar a ver
não aquilo que ficou pensado, imaginado
mas o que ficou sentido, tentado, vivido.

A....

Qual beleza sob teus olhos admirada?
Qual árvore sobre ti criada?
Qual desejo sobre ti exposto?
Qual prazer sobre si morto?
Amor, paixão, loucura
sedução, vaidade, frescura
Existência, vivência, morte
elegância, vingança, esperança
Sobre ti nascida,
Sobre ti criada
êxtase fatal sobre ti criado
teatro de um amor oprimido
Figura morta, paisagem exposta
beijo, mágoa, desejo
arte, loucura, amor que parte
infortúnio de um qualquer ensejo